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Gravadora não terá que devolver registros musicais originais de João Gilberto

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve nesta terça-feira (8) acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que negou o pedido do espólio do músico João Gilberto para que a gravadora EMI devolvesse aos herdeiros os masters (matrizes) originais de suas canções.

Para o colegiado – confirmando o entendimento do TJRJ –, as gravações foram entregues pelo artista à gravadora por meio de contrato válido. Além disso, a turma considerou que a EMI ainda tem o direito contratual de produzir novos discos de vinil (LPs) com as canções originais, já que decisões anteriores do próprio STJ apenas impediram a gravadora de reproduzir as obras de João Gilberto em outros formatos não previstos em contrato, como CDs.

A discussão teve origem em 1997, quando João Gilberto – falecido em 2019 – moveu ação contra a EMI. O processo foi analisado em recurso especial pelo STJ (REsp 1.098.626), que reconheceu o direito do artista à indenização por danos morais, em razão da remasterização não autorizada de músicas em CDs.

Na fase de cumprimento de sentença, questionou-se a decisão firmada no recurso especial – se também teria vedado a reprodução e a venda da obra musical de João Gilberto pela EMI. A questão chegou novamente ao STJ (REsp 1.472.020), que confirmou essa vedação.

TJRJ garantiu o acesso aos fonogramas, mas não a devolução das mídias

Em 2013, João Gilberto moveu nova ação contra a EMI, buscando a extinção dos contratos celebrados com a gravadora e a devolução das fitas masters de vários LPs, entre eles Chega de Saudade e O Amor, o Sorriso e a Flor. De forma subsidiária, ele pleiteou o acesso irrestrito às matrizes de seu repertório original.

Após sentença de improcedência do pedido, o TJRJ deu provimento à apelação para garantir ao artista apenas o acesso aos fonogramas originais, mas sem a sua devolução definitiva. Para a corte estadual, permaneceriam válidos os contratos celebrados entre as partes na década de 1960, de modo que a EMI poderia continuar reproduzindo e comercializando a obra do artista em vinil – estando vedada, exclusivamente, a remasterizarão das canções e a comercialização em formatos não previstos nos contratos.

Em recurso especial, o compositor (e, posteriormente, o espólio) alegou que, nos termos da Lei 9.610/1998, o direito do artista não alcançaria apenas a dimensão imaterial de sua obra, mas, igualmente, o suporte físico em que ela foi gravada. Também foi apontada suposta ofensa à coisa julgada formada no STJ.

Mozart, Bach, Villa-Lobos e João Gilberto

O ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, reforçou que, nas decisões anteriores, o STJ apenas proibiu a confecção de novos CDs contendo a obra remasterizada sem autorização. Em consequência, explicou, não foi estabelecido obstáculo à fabricação e comercialização de LPs com as canções originais do artista.

Ainda segundo o magistrado, a obra de João Gilberto, por estar vinculada à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira – nos moldes previstos pelo artigo 216 da Constituição –, constitui um verdadeiro patrimônio cultural do país, enquadrando-se no conceito de direito coletivo.

“O direito moral do autor, intangível e imprescritível, não pode suplantar o direito da sociedade de usufruir das manifestações das culturas populares tão caras a qualquer nação. Triste a cultura mundial se não pudesse desfrutar das obras de Mozart, Bach ou Villa-Lobos, gênios, qualificação em que também se insere o nome de João Gilberto”, acrescentou.  

Masters não pertencem, necessariamente, ao autor das obras musicais

Em seu voto, Moura Ribeiro apresentou uma evolução histórica dos dispositivos físicos de gravação, chegando à conclusão de que os masters, ao concretizarem um registro sonoro em meio físico, se constituem como um fonograma, como definido pelo artigo 5º, inciso IX, da Lei 6.910/1998.

Entretanto, o ministro apontou que, considerando as caraterísticas de produção e extração de cópias a partir da matriz física – ou seja, uma forma de apresentação do fonograma –, não seria razoável afirmar que ele pertence, necessariamente, ao autor da obra musical.

Nesse sentido, o magistrado entendeu que não há fundamento jurídico para afirmar que os direitos morais do autor teriam a capacidade de garantir a posse e a propriedade do meio físico no qual foi gravada a criação imaterial.

“Se o compositor/intérprete de uma canção não pode reivindicar a posse/propriedade de um vinil já comercializado com fundamento em uma suposta transmutação operada pelo direito moral de autor, tampouco pode fazê-lo em relação aos masters, uma vez que estes são apenas uma forma diferenciada de apresentação do mesmo fonograma”, concluiu o relator.