O desembargador convocado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) Olindo Menezes negou provimento ao recurso em habeas corpus no qual o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, pedia o trancamento da ação penal em que é acusado de falsidade ideológica.
Segundo o processo, em 2 de dezembro de 2009, o governador – supostamente, em conluio com uma juíza do Trabalho – arrematou em leilão um apartamento em Cuiabá, penhorado no curso de execução trabalhista que tramitou no foro em que atuava a acusada de coautoria.
Na denúncia, foi demonstrada uma suposta articulação entre o governador e a juíza para inserir declarações falsas em documentos e fraudar a arrematação do imóvel, o qual, dois anos depois, teria sido transferido pelo político à magistrada, em um “simulacro de dação em pagamento”.
A conduta foi apurada em processo disciplinar aberto no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, que concluiu que a simulação da dação em pagamento teria servido para configurar a única possibilidade de aquisição, pela magistrada, de imóvel objeto de leilão.
Segunda instância rejeitou ação de improbidade
O pedido de habeas corpus foi inicialmente dirigido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que manteve a ação penal sob o argumento de que a conduta delituosa supostamente praticada, na forma como narrada pelo Ministério Público, justifica o recebimento da denúncia e a persecução penal, uma vez que foram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
No recurso ao STJ, a defesa alegou que deve ser aplicado o princípio da consunção entre os crimes de falsidade ideológica e fraude em arrematação judicial, com a consequente extinção da punibilidade, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Além disso, afirmou que a ação civil pública por improbidade administrativa relativa ao caso foi rejeitada pelo TRF1, o que revelaria a alegada ausência de justa causa para a propositura da ação penal.
Esferas cível, administrativa e penal são independentes
Citando precedente da Sexta Turma (HC 374.589), Olindo Menezes observou que o trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando fica provada a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. Nenhuma dessas condições, porém, foi verificada no caso.
Sobre a rejeição da ação de improbidade, o relator destacou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que as esferas civil, penal e administrativa são independentes e autônomas entre si, sendo que as decisões tomadas no âmbito administrativo ou cível não vinculam a área criminal. “A não configuração dos fatos como ato ímprobo, nos termos da Lei 8.429/1991, não exclui a possibilidade de os configurar como suposto crime”, declarou.
Indícios são suficientes para a instauração do processo penal
O magistrado acrescentou que, como as instâncias ordinárias entenderam pelo não cabimento do princípio da consunção – em razão da autonomia de comportamentos nos crimes de fraude processual e falsidade ideológica –, não seria possível adotar posicionamento contrário, pois isso exigiria o reexame das provas do processo, o que é vedado na análise de habeas corpus.
Para Olindo Menezes, a ação penal deve prosseguir regularmente por estar presente na narrativa acusatória a indicação dos fatos delituosos imputados ao governador. Segundo ele, neste momento processual, é suficiente a demonstração da ocorrência do fato criminoso e de indícios de autoria, os quais serão apurados com profundidade durante a instrução criminal, com respeito ao contraditório.
“Não se verifica a presença de quaisquer das situações que ensejam o trancamento da ação penal, restando devidamente demonstrado haver indícios mínimos de materialidade e autoria das imputações”, concluiu.